Nos últimos textos escritos para o blog Pediatria Para Todos, tenho falado sobre como o brincar tem um papel crucial no desenvolvimento das nossas crianças, no seu sucesso académico e como todos devemos ser responsáveis pela criação de verdadeiras oportunidades para brincar.
Essas oportunidades têm vindo a ser constantemente ameaçadas desde há muito tempo e ainda mais desde março de 2020. Este último ano, trouxe-nos desafios que talvez nenhum de nós antecipasse viver. Nenhum de nós, muito menos as nossas crianças.
Já muito foi dito e discutido sobre o potencial impacto que uma pandemia poderá ter no desenvolvimento físico, social e mental das nossas crianças.
Este texto não é para recalcar essas teorias ou apresentar novas. Este é um texto de conteúdo prático, escrito para ajudar pais e mães a incorporar momentos de brincar livre dentro das suas rotinas familiares.
Porquê agora?
Porque apesar de estarmos quase 24 sobre 24 horas com as nossas crianças, isso não se traduz diretamente em tempo de qualidade. Estar presente não é ser presente.
Os dias passados em família aumentaram para 100%. Mas estão longe de ser aqueles momentos calmos, cheios de paciência dos adultos e relaxamento das crianças que todos antecipamos e desejamos.
Não, esses dias não chegaram só porque os pais ficaram em casa. Pais em casa continuam a trabalhar, crianças em casa continuam a estudar. Ambos têm deveres e compromissos e aquela relação entre pais e crianças, aqueles desejados momentos prazerosos passam facilmente a conflito. Pais/mães e filhos/filhas passam a ser professores, patrões, alunos, funcionários, terapeutas… tudo isto no mesmo dia, debaixo do mesmo teto. As horas são passadas em tarefas de uns e obrigações dos outros, a maior parte das vezes em frente a um ecrã. E no meio de tudo isto, a ideia de aproveitar o tempo extra para fortalecer os vínculos com as suas crianças, desvanece-se.
Mas, “Como é que eu consigo brincar com a minha criança, com tanto para fazer? Não tenho tempo.”
Este tem sido o principal dilema dos dias de hoje, tempo, ou a falta dele. E não admira que a falta de tempo seja também uma das principais razões para os pais não brincarem com os seus filhos.
Por isso, de alguns anos para cá tenho sugerido uma abordagem diferente, uma que nos leve mais facilmente a um compromisso simples, breve, mas possível e CONSISTENTE.
Brincar: a cura dos 10 minutos
Vários estudos mostram a importância de tempo de qualidade entre pais e filhos. E uma coisa que precisa saber é que apenas 10 minutos deste tempo de qualidade podem trazer mudanças incríveis para si e para a sua criança. O segredo: consistência. Vale mais 10min de entrega por dia, todos os dias, do que uma ida à Disney nas férias!
Com isso em mente, aqui vai um plano para conseguir furar a azáfama do dia-a-dia e garantir que tem um momento único, exclusivo para si e para a sua criança.
- Comece por definir o que é razoável para si. Podem ser 30min ou apenas 10min. A consistência diária e a qualidade do tempo despendido é bem mais importante do que a quantidade.
- Tempo de qualidade: ou seja, nada de telemóveis, nem televisão, ou parar a meio para ir ver o forno, ou atender uma chamada. Estes 10min são sagrados, mostram à sua criança que ela é mais importante do que tudo o resto.
- Faça um calendário com tempos consistentes e visíveis para todos. Idealmente este momento deverá ser consistente ao longo dos dias, à mesma hora (p.ex. antes de ir para a escola, ou antes do jantar, etc.). Ter este momento sempre ao mesmo tempo vai permitir criar uma rotina para a criança. Verá que com o tempo as transições serão mais fáceis porque há consistência.
- Encontre um identificador distinto. Este é um momento único, por isso merece elementos únicos. O que gosto de sugerir é que encontrem uma caixa (Caixa de sapatos por exemplo, caixa de arrumações, etc.) e que a usem como baú de brincadeiras para esses 10min. Quando os 10min começam o pai ou a mãe traz a caixa para brincar, e quando terminam a caixa é arrumada no sitio até a próxima cura dos 10 minutos.
- O que colocar na caixa dos 10min: brinquedos, livros, objetos que sejam únicos para aquele momento. Imagine que está no seu horário de trabalho e a sua criança vem com um carro, entusiasmadíssima, e pede-lhe para brincar com ela. Em vez de lhe dizer que não pode ser, pode usar esta caixa como uma alternativa. “Querida, sei que queres brincar, mas a mamã agora não pode. Se quiseres pomos este carro na caixa dos 10 minutos e brincamos mais logo, na nossa hora, como fazemos todos os dias”. Repare na diferença, não é “brincamos depois” ou “mais tarde”… é na nossa hora de brincar! Que acontece de forma consistente todos os dias à mesma hora.
- Deixe que um temporizador diga que já acabou. Quando as coisas são boas não queremos que acabem e as crianças têm o dom de saber aproveitar o que é bom! Por isso um temporizador é sempre um ótimo recurso porque para além de ser algo externo que dita o término da brincadeira, é também uma forma mais concreta de assinalar esse fim. Use algo com som e até um elemento visual (por exemplo um temporizador de cozinha, ou uma ampulheta).
- Siga a iniciativa, só! Por outras palavras, você não manda. Este é um momento para adulto e criança aproveitarem, mas é no brincar que a criança tem a oportunidade de ditar regras, de experimentar coisas que na “vida real” são impossíveis. Por isso, não barre a criatividade da sua criança. Lembre-se que estão num tempo e numa realidade suspensa e só porque a criança está a fingir que é um cão e come do chão, não quer dizer que ela vá começar a comer como um cão à mesa. A melhor parte? É que não precisa de “saber brincar”, a sua criança trata de tudo, só tem de estar disposto a segui-la!
Muitos pais confessam-me que não têm tempo, não sabem, ou não conseguem brincar com as suas crianças. As dicas acima têm sido implementadas com imensas crianças com desenvolvimento típico e atípico e espero que a possam ajudar também.