Antes de começar a escrever sobre o Brincar queria fazer um ponto prévio para que possamos estar todos no mesmo cumprimento de onda!
Sempre que escrevo ou faço uma apresentação sobre o Brincar encontro algumas correntes que são exímias em atribuir as culpas.
Uns dizem que a culpa é da sociedade. Afinal, “não há uma altura que permita aos pais terem tempo para brincar com os filhos” e “a tecnologia veio arruinar a infância”, o “mundo de hoje está tao perigoso e stressante que é impossível ter crianças a brincar na rua, nos parques, em frente à porta de casa”, etc.
Outros fazem a culpa às escolas. Porque se “focam demasiado nas atividades letivas”, “só querem saber de rankings e testes” e “quanto menos as crianças forem crianças, melhor”! Referem que algumas escolas chegam até a reduzir os recreios, a colocar aulas de apoio nesses tempos, ou a proibir crianças de “ir ao recreio”, “castigando-as” pelo seu mau comportamento.
Os terceiros “culpados” na lista dos inquisidores são os Pais. Porque “não brincam com as crianças”, porque “lhes dão tablets e smartphones para as mãos e permitem que eles fiquem horas naquilo”, porque “lhes compram tudo feito” e porque “adoram ver os seus filhos com cargas horárias dignas de verdadeiros executivos”.
E por último, por incrível que pareça, há quem atribua a culpa às próprias crianças!! Porque “não querem sair de casa”, “só querem jogar no tablet ou ver vídeos no youtube” ou, veja lá, porque “hoje em dia os miúdos não sabem brincar”.
Agora, admitindo que há aqui algumas coisas que são injustas, outras que são verdade e colocando até a hipótese de não podermos verdadeiramente culpar algo ou alguém pela escassez de brincadeira nas nossas crianças, vamos lá assumir uma coisa:
O Brincar é uma atividade que corre perigo. Perigo de extinção. E isso não traz nada de bom para o presente ou futuro das nossas crianças.
As crianças de hoje não brincam tanto como as crianças do seu tempo, ou não é verdade? E talvez tenham uma carga académica e “laboral” superior às crianças do seu tempo, ou não? E a tecnologia é sem dúvida uma ameaça à saúde e desenvolvimento harmonioso da criança!
Bem vistas as coisas, temos as nossas crianças com problemas que as crianças nunca tiveram: crianças sem criatividade, sem competências sociais, sem conhecerem o seu corpo e os seus limites, crianças com ansiedade e níveis de stress incríveis e outras que chegam a desenvolver depressões!!!
Parece brincadeira, mas este assunto é tão sério que levou
a Academia Americana de Pediatria a publicar um relatório de novas políticas em pediatria, incentivando os médicos pediatras a prescreverem BRINCAR nas suas consultas médicas! (Pode ler o relatório na íntegra em
The Power of Play: A Pediatric Role in Enhancing Development in Young Children https://doi.org/10.1542/peds.2018-2058).
Então, uma vez que isto afeta todas as crianças, com e sem desenvolvimento típico, resolvi criar uma série de artigos para o blog “Pediatria para Todos” com o objetivo de ajudar a compreender porque é que a brincar é tão importante e como é que todos nós, sociedade, pais e educadores podemos salvar a infância das nossas crianças.
- O que é o Brincar afinal?
As visões mais citadas sobre o brincar descrevem-no como uma atividade que é voluntária e flexível que surge de uma motivação interna, prazerosa, ativa e espontânea, sem objetivos extrínsecos e durante a qual a realidade pode ser temporariamente suspensa.
O brincar contribui para a construção individual de cada um de nós, e é fundamental nas aprendizagens de capacidades como a autorregulação, empatia, colaboração, criatividade, resolução de problemas e outras funções executivas indispensáveis para o sucesso (como profissional e Ser Humano) do adulto no século XXI.
Na forma como nós, terapeutas ocupacionais, e outros profissionais de saúde o vemos, o brincar é para a criança um bem de primeira necessidade.
- Benefícios do Brincar
Físico: O Brincar ativo e dinâmico ajuda as crianças a desenvolver a coordenação e o equilíbrio, as suas capacidades motoras grossas e finas e a canalizar a sua energia adequadamente, promovendo melhores padrões de sono e regulação do apetite.
Emocional: Durante o brincar, as crianças aprendem a lidar com as suas emoções, como medo, frustração, fúria e agressão. Através da brincadeira as crianças projetam as suas emoções em situações que elas controlam, sendo este também um meio para praticarem empatia, compreensão e desenvolverem capacidades de autorregulação.
Social: Brincar com outros ajuda a criança a negociar, colaborar, ganhar o sentido de compromisso e partilha. No brincar as crianças também aprendem a reconhecer e a responder aos sentimentos dos outros, a mostrar afeto, a resolver conflitos e a compreender regras.
Cognitivo: Através do Brincar as crianças aprendem a pensar, a ler, a desenvolver a sua memória, o raciocínio e a atenção.
0 Brincar dá às crianças a oportunidade de desenvolver as suas capacidades de tomada de decisão e autonomia. Começar um jogo e focar-se nessa atividade até ao fim é um elemento importantíssimo da autodisciplina cognitiva.
Criatividade: Através do brincar as crianças dão asas à sua imaginação, criam novos mundos e personagens, formam ideias únicas, exploram novas possibilidades e pensam” fora da caixa” para encontrarem ideias e soluções para os desafios que encontram.
Comunicação: Ao Brincar com outros, as crianças aprendem a arte da comunicação interpessoal. Elas aprendem a reconhecer expressões faciais e linguagem corporal, a conduzir conversas e a expressar os seus sentimentos e emoções.
- O que pode a sociedade fazer?
A sociedade somos todos nós! Por isso a primeira mudança a fazer é ao nível da informação e conhecimento que temos. Acredito que haja um desconhecimento acerca da verdadeira importância que tem o Brincar no desenvolvimento das nossas crianças, por isso divulgar esta palavra é imensamente importante!
Ajude-nos a divulgar a importância deste artigo partilhando-o com aquela pessoa que precisa de conhecer a importância do Brincar na Infância!
No próximo artigo falaremos da importância do Brincar na Educação e das razões pelas quais o recreio deve não só ser aumentado, mas também melhorado!