Todos os seres vivos precisam de dormir (talvez de todos os mamíferos, a girafa seja aquele que menos dorme, pois dorme de pé e faz sonos curtos e muito fraccionados. Confesso que no que respeita ao sono, a girafa tem muito pouco a invejar.) ?
Dormir é a actividade principal do cérebro nos primeiros tempos de vida. Os ritmos circadianos são regulados pela luz e pelo escuro e esses ritmos demoram algum tempo a desenvolver-se, resultando naqueles horários irregulares de sono que conhecemos no recém-nascido. A partir das 6 semanas de vida, esses ritmos começam devagarinho a ajustar-se e entre os 3 e os 6 meses a maioria dos bebés tem já um ciclo regular de sono. Por mais que possa parecer estranho a muitas das mães e pais de filhos que dormem mal, aos 2 anos de vida a maioria das crianças passaram mais tempo a dormir do que acordadas e, de uma forma geral, uma criança passará 40% da sua infância a dormir. (Uau! Será mesmo verdade?).
A verdade é que se passamos tanto tempo a dormir é porque o sono é de facto muito importante. Para as crianças é mesmo essencial e a sua falta tem forte impacto no seu desenvolvimento físico e mental. Como trabalho com o sono infantil e defendo que a qualidade do sono é fundamental encontro pelo caminho muitas polémicas. Normalmente quase sempre relacionadas com a autonomia no adormecer. Quem é contra esta autonomia defende quase sempre que “não é normal que os bebés durmam a noite inteira”. Embora a minha experiência seja a de lidar diariamente com mães e pais afectados pela privação de sono, na verdade, a percentagem de crianças que não dorme bem (um sono contínuo e tranquilo) é relativamente pequena. São cerca de 30%. Significa que os outros cerca de 70% conseguem fazê-lo. Será que estes 70% são “anormais” porque conseguem descansar e dormir entre 11h e 12h seguidas, como recomendado pelas principais Academias Pediátricas do mundo?
No meio da “polémica” da autonomia no adormecer também se defende frequentemente que os efeitos de ensinar a dormir são severos para o desenvolvimento dos pequeninos. Óbvio que se quisermos associar que para ensinar a dormir é necessário deixar os nossos filhos num orfanato asiático perdido onde não há adultos que tomem conta deles… talvez. Mas – pelo menos no meu trabalho – quando se propõe que enquanto se ensina o bebé a adormecer de forma mais independente se fique sempre em contacto com os pequeninos, os acarinhemos e tentemos tranquilizar, não resulta daqui nenhum dano. Pelo contrário.
OS DANOS DE NÃO DORMIR DURANTE MESES OU ANOS SÃO MUITO MAIS SEVEROS PARA O DESENVOLVIMENTO DE UMA CRIANÇA E PARA A HARMONIA DA SUA FAMÍLIA. IMENSAMENTE MAIORES. E DISSO POSSO FALAR COM ABSOLUTA SEGURANÇA – TRABALHO HÁ ANOS DIARIAMENTE COM FAMÍLIAS PRIVADAS DE SONO E POSSO DIZER QUE JÁ VI DE TUDO. INFELIZMENTE… DE TUDO. ATÉ A MORTE DE UM PAI, POR TER ADORMECIDO AO VOLANTE – A FILHA COM 2 ANOS NÃO DORMIA MAIS DE 2H SEGUIDAS DESDE OS 5 MESES.
Como mães sentimos o quanto a falta de sono consegue afectar os nossos filhos. Claro que também o sentimos na pele, pois a privação de sono é forçosamente para nós também.
Sabemos que não dormir o suficiente afecta o humor das crianças, a sua capacidade de lidar com as frustrações, a forma como interagem com os amiguinhos… sabemos que não dormir pode deixa-los mais irritáveis ou “demasiado” excitados e como isso se reflecte na aprendizagem e comportamento.
Mas as investigações vão também no sentido de sugerir que o sono é essencial para a manutenção de uma boa saúde.
Quando os miúdos dormem bem têm um menor risco de se tornarem obesos, de desenvolver diabetes e têm substancialmente menor probabilidade de apresentar problemas de atenção e de aprendizagem. Porque sim… O sono é tão importante quanto a nutrição e o exercício. Já que é durante o sono que o corpo faz a manutenção dos neurotransmissores que permitem às células cerebrais comunicar entre si. Investigadores demonstraram recentemente também que durante o sono “limpamos a casa”, mandando embora toxinas que podem provocar doenças.
O mais espantoso nas ultimas investigações é o quão rápido as crianças caem na zona de perigo. As repercussões da privação de sono são visíveis depois de apenas 4 noites com 1h a menos de sono.
Quando ouço que ensinar a dormir de forma independente provoca danos nas crianças, penso logo nos danos irrecuperáveis que não dormir causa nas famílias e no desenvolvimento das crianças.
Sabiam que…
* O Sono promove o crescimento?
A hormona do crescimento é segregada (mais do que a qualquer outra hora) durante o sono profundo. A mãe natureza protegeu os bebés fazendo com que eles passem 50% do seu tempo em sono profundo, essencial para o seu crescimento adequado. Há um trabalho muito interessante de investigadores italianos que estudam crianças com níveis deficientes de produção da hormona de crescimento e que perceberam que estas crianças dormem menos profundamente do que as outras.
* O sono ajuda a que os nossos filhos tenham um coração forte?
Investigadores estão cada vez mais interessados na forma como o sono parece proteger as crianças de danos vasculares. As crianças que não têm um sono tranquilo e reparador tem vários despertares do cérebro durante a noite, o que faz com que o corpo esteja sempre alerta. A glicose e o cortisol (hormona do stress) permanecem elevados no sangue à noite e ambos estão relacionados com diabetes, obesidade e problemas de coração.
* O sono combate os germes?
Durante o sono, as crianças e os adultos produzem proteínas de que o corpo necessita para combater infecções e doenças (estas proteínas para além de combaterem as doenças, fazem-nos ficar sonolentos. Se pensarem bem, quando estamos constipados ou com gripe ficamos com mais sono, o que é uma ajuda que o corpo nos dá para recuperarmos pois “obriga-nos” a descansar). Pouco sono influencia o número destas proteínas no sangue. Descobriu-se, por exemplo, que os adultos que dormem menos de 7 horas seguidas de sono à noite tem 3 vezes mais probabilidades de ficarem doentes quando expostos a um vírus do que adultos que durmam 8 a 9h seguidas.
* A falta de sono aumenta o risco da TDHA?
Crianças que consistentemente dormem menos de 10h por noite antes dos 3 anos têm 3 vezes mais probabilidades de vir a manifestar sintomas de hiperactividade e/ou deficit de atenção a partir dos 6 anos. Aliás, os sintomas de privação de sono e do transtorno de hiperactividade são por vezes muito semelhantes e/ou confundidos (podem ler aqui uma reportagem sobre isso, com a minha participação e de profissionais como o pedopsiquiatra, Dr. Pedro Caldeira da Silva).
*O sono promove a aprendizagem?
Um bebé pode parecer um anjo tranquilo enquanto dorme (e é tão bom vê-los dormir!!), mas o seu cérebro está em funcionamento durante toda a noite. O sono ajuda à aprendizagem em todas as idades. E comprova-se que as sestas, então, são quase mágicas! Neurocientistas da Universidade de Massachusets fizeram uma experiência interessante. Ensinaram um jogo tipo “memória” a crianças de 3 e 4 anos. Permitiram, então, que as crianças dormissem sesta durante uma semana, mas impediram-nas de o fazer na semana seguinte. Na semana em que não dormiam, as crianças esqueciam 15% daquilo que aprendiam no jogo.
Polémicas há sempre muitas. Principalmente na maternidade. Há temas “quentes” e o sono é um deles. O que até não faz mal nenhum! Pois ao falar-se dos temas tornamo-los cada vez mais importantes. Ainda assim, é importante entendermos que o sono é muito mais do que fechar os olhos. E que é crucial para o correcto desenvolvimento dos nossos filhos.
NÃO SENDO TALVEZ O MAIS IMPORTANTE PARA MUITA GENTE (EMBORA PARA MIM SEJA DOS ASPECTOS QUE MAIS TENHO EM CONSIDERAÇÃO) O SONO É AINDA ESSENCIAL PARA A MANUTENÇÃO DA FELICIDADE.
Pai e Mãe tem de estar BEM. E se não descansarem, se acordarem a cada 2h durante demasiado tempo, acabam por viver em modo de sobrevivência, deixando cair aos poucos partes importantes daquilo que nos faz felizes a todos: a energia, o tempo, a disponibilidade, a paciência… para que possamos ver os nossos filhos crescer felizes, saudáveis e amados.