Não há tema que suscita mais dúvidas entre as mães (e, embora muitos não admitam, entre os pais também) como a pilinha da criança. É um tema que ocupa muitas consultas de Cirurgia Pediátrica, pelo que faz todo o sentido que seja o texto inaugural nesta minha colaboração do meu colega e amigo Hugo.
- O prepúcio é o nome da tal pelezinha que recobre o pénis. Uma das dúvidas que assalta a mente dos recém-papás é se devem ou não retrair o prepúcio e até onde.
- Ao nascimento, o prepúcio está aderente à glande do pénis. Durante os primeiros anos, a produção de esmegma (espécie de gordura) faz com que a o prepúcio vá descolando lentamente. Mais tarde ou mais cedo, esta substância amarelada aparece na ponta da pilinha do menino ou fica visível à transparência junto à glande. Por vezes, é confundido com pús, mas não se trata de uma infecção nem exige outro tratamento que não seja lavar com água.
- Durante ou logo após do banho, quando a pele está mais humedecida e laxa, os pais devem fazer uma retracção leve do prepúcio. Fazer até onde conseguirem sem nunca forçar. É frequente notar-se um aperto a toda a volta, o chamado anel prepucial. Forçar a passagem deste anel pode fazer sangrar esta pele, magoando o menino e levando a uma cicatriz (causa de fimose). Havia o hábito antigo (infelizmente não completamente abandonado) de forçar um descolamento na consulta. Na maioria das vezes, as criança deixava de confiar no médico que lhe tinha feito a maldade e nos pais que tinham sido coniventes, agarrando-o à marquesa, pelo que pura e simplesmente não deixava ninguém tocar ‘no seu instrumento’, durante longos meses. Logo, o prepúcio voltava a aderir e, muitas vezes, desenvolvia a tal cicatriz (fimose cicatricial).
- O que é a fimose? É a incapacidade de retracção do prepúcio, por impedimento do tal aperto prepucial. Pelo exposto acima, a fimose é normal (ou fisiológica) até aos 3 anos. De facto, se a retracção for feita progressiva e diariamente (sem nunca forçar ou magoar, repito), haverá uma altura em que a pele virá completamente para trás. Noventa por cento dos meninos terão descolamento e retracção completa do prepúcio pelos 3 anos de idade.
- O que causa a fimose? Para além da cicatriz, existem outras causas (como a inflamação e infecção local) que podem fazer com o anel fique mais duro e difícil de ultrapassar.
- A cirurgia é a única solução? Nalguns casos, o tratamento com creme corticóide pode ajudar a alargar o anel fimótico. Nos casos cicatriciais, apenas a cirurgia resolverá o problema. A circuncisão consiste no corte circular da pele do prepúcio de forma a tirar este ‘aperto’. É uma cirurgia sob anestesia geral e, na maioria dos casos, não necessita de pernoita no hospital. De qualquer das formas terá uma cicatriz que exigirá cuidados de desinfecção local.
- Mas não deveríamos fazer circuncisão a todas as crianças? Existem várias religiões e culturas que defendem circunicisão aos meninos, seja no período neonatal, seja mais tarde, antes da adolescência É, para todos os efeitos, um procedimento invasivo e que acarreta riscos para a criança. São eles: infecção, hemorragia, amputação do pénis e, até, morte. Por outro lado, têm aparecido vários estudos que demonstram benefícios da circuncisão, principalmente relativamente à diminuição do risco de transmissão de doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), incluindo o VIH/SIDA, o herpes simplex, o papiloma vírus e a sífilis. Serão estas razões suficientes para cortar a ‘pelezinha’ à rapaziada? A Sociedade Europeia de Urologia Pediátrica considera que a circuncisão infantil acarreta uma morbilidade significativa, pelo que não deve ser recomendada aos pais sem indicação (razão) médica.
- Qual a idade óptima para fazer circuncisão? Não existe uma idade perfeita. Como expliquei em cima, todos os meninos nascem com uma fimose fisiológica que resolve sozinha até aos 3 anos, em 90% dos casos. Nos restantes meninos, o descolamento da pele pode ser mais tardio e, mesmo assim, não precisa de tratamento. Em princípio, apenas deverão ser tratados (medica ou cirurgicamente) os meninos que têm sintomas locais (inflamação, ardência, etc), infeções urinárias ou aqueles com uma fimose cicatricial.