As hérnias inguinais são muito frequentes na criança e podem ser uma causa grave de dor e irritação no lactente. Por isso, não é só para ver se a fralda está suja que os pediatras e os médicos de família recomendam abrir a fralda dos bebés irritados. As hérnias inguinais são muito fáceis de detectar, porque qualquer pai ou Mãe identifica um ‘papo’ a mais na virilha do seu menino ou da sua menina.
Mas deixem-me recuar um bocadinho até ao feto. Os testículos nascem dentro da barriga do feto e vão descendo até encontrar o seu lugar no escroto. O canal por onde desce chama-se canal peritóneo-vaginal e pode persistir aberto por muitos meses, após o nascimento do bebé. Se o canal permitir a passagem de líquido intra-abdominal, estamos perante um hidrocelo (comunicante). Se o canal permitir a passagem de uma porção de intestino ou gordura, estamos perante uma hérnia inguinal.
O tratamento do hidrocelo comunicante e da hérnia do lactente e da criança é o mesmo e consiste na laqueação (isto é, encerramento) do tal canal peritoneo-vaginal. No entanto, os tempos para cirurgia diferem. A hérnia inguinal deve ser operada o mais brevemente possível, porque tem risco de encarcerar. Ou seja, o intestino pode prender no escroto impedindo que ele volte para dentro. Para além de dor intensa, o bebé desenvolverá um quadro oclusivo, porque o conteúdo intestinal deixa de progredir apartir daquele ponto. Começam os vómitos e a deterioração do estado geral é muito rápida. Se houver encarceramento, deve levar o bebé imediatamente a um serviço de urgência.
O hidrocelo comunicante raramente evolui para hérnia e, muito menos, para hérnia encarcerada. Nesse sentido, pode-se esperar para ver se existe resolução espontânea do hidrocelo. Na Europa e nos EUA convencionou-se esperar até aos 2 anos, altura apartir da qual se acredita que já poucos canais fecharão por si.
Na menina, a hérnia resulta da persistência do canal de Nuck, uma estrutura homóloga ao canal peritoneo-vaginal dos meninos. Mais do que o intestino, estas hérnias são muitas vezes local de encarceramento do ovário. Por isso, têm também indicação cirúrgica assim que forem diagnosticadas. Mais uma vez, não é urgente, mas deve ser agendada para os meses seguintes.
Como expliquei, o tratamento das hérnias inguinais é sempre cirúrgico. Nos últimos anos, tem havido uma tendência maior para a correção laparoscópica. A laparoscopia consiste na introdução de uma câmara de vídeo pelo umbigo e instrumentos que perfuram a pele, sem ser necessário abrir uma ferida cirúrgica propriamente dita. Logo, e para ser completamente honesto, existem cicatrizes sim, mas elas são invisíveis. Uma vez que a única ‘abertura’ é feita pelo umbigo (a nossa cicatriz natural), as vantagens estéticas são evidentes. Mas a maior vantagem é o facto de, com a câmara de vídeo, podermos inspecionarmos os dois lados (os dois canais inguinais). Havia muitas crianças que eram operadas a um lado por via aberta (ou via clássica) e, meses ou anos depois, apareciam novamente com hérnia do outro lado, o que obrigava a nova cirurgia. Com a laparoscopia, evitamos esta segunda cirurgia, em até 15% dos doentes. Para além da vantagem estética e de evitarmos segundas cirurgias, existem as outras duas vantagens clássicas associadas à laparoscopia: menos dor e menos complicações da ferida operatória (infecções, deiscências ou cicatizes inestéticas). Por isso, estou seguro que, um dia, este tornar-se-á o tratamento padrão para todas as crianças.