A forma como uma criança acorda da anestesia depende muito da forma como adormeceu. Julgo que todos os pais já tiveram a experiência de uma criança que adormece a chorar, aborrecida com alguma coisa ou (mesmo sem ser a chorar) agarrada a um brinquedo. A primeira coisa que essa criança faz quando acorda é perguntar pelo brinquedo ou mesmo continuar a birra em que estava. O mesmo se procede com a indução anestésica. Se a criança adormece agitada, assustada com o que lhe está a acontecer, é muito provável que acorde da mesma forma, a chorar, a espernear, a bater em tudo à sua volta. Assim, é muito importante que os pais preparem a criança para o que vai acontecer no dia da cirurgia. Um conjunto de dicas (ou serão mais regras?) para tornar a cirurgia menos traumatizante.
Primeira dica (neste caso, uma advertência), NUNCA mentir aos filhos. Uma coisa é fantasiar à volta do que vai acontecer – exemplo: vão te colocar uma pomada mágica nas mãos para não sentires a borboleta a picar. Outra coisa é mentir – exemplo: vens ali com o pai que eu é que vou ser operado. Imagine-se a ser despido numa sala cheia de monitores, luzinhas e alarmes a apitar por todo lado e ser levado por 2 ou 3 adultos de pijama. Imagine que a única pessoa com quem poderíamos contar lhe mentiu, atraiçoou-o e entrega-o para a mão destes desconhecidos. É o pânico. Mentir é feio. (Não é isso que ensina às crianças?)
[fonte: twitter.com/mghfc]
Segunda dica, crie um ambiente tranquilo e seguro para a criança. As crianças são colaborantes com os profissionais de saúde desde que se sintam seguros. É importante os pais estarem confiantes e não transparecer o nervosismo. A melhor forma de o fazer é esclarecendo todas as dúvidas previamente com o cirurgião e com o anestesista. A maioria dos mitos criados à volta da anestesia geram ansiedade escusada aos pais. Lembre-se que os pais são o ‘porto de abrigo’ dos filhos e, saber que podem contar com eles tranquiliza-os. Se os pais estão preparados para o que vai acontecer, podem até entrar na sala de operações e assistir à indução anestésica. Se os pais não são capazes (e não é vergonha nenhuma não o ser) ou o bloco operatório em questão não está preparado para essa dinâmica, a criança que se sente em segurança não se importa de ‘ir ali ao lado e voltar num instante’. Ainda no tema da confiança que se procura transmitir à criança, levar um boneco ou qualquer outro objecto de ligação/transição (aqui se incluem as chupetas) ajuda.
Terceiro, explique com antecedência. Dependendo da idade, mas sobretudo da maturidade de cada criança, é bom ir explicando nos dias anteriores o que vai acontecer: que vai haver luzes esquisitas, alarmes inesperados, gente vestida com pijamas esquisitos, etc. Não ser apanhado de surpresa no próprio dia, ajuda a não cair nos erros explicados no ponto um e ponto 2. Quem melhor que os pais para adaptarem a informação e a linguagem ao perfil dos seus filhos? Pode fazer teatrinhos com os ursos de peluche, pode fazer programas para fazerem juntos assim que saírem do hospital, podem ver vídeos na internet… Nesse sentido, parece-me bastante útil o vídeo que se segue do clube de anestesia regional (autoria de Rita Lopes).
Quarto, prepare a malinha com o seu filho. O pijama deverá ser fácil de vestir/despir. Preferir 100% algodão, pois as fibras poderão interferir com alguns dos aparelhos. Mas o mais importante é a criança achar-se bonita com ele. Não esquecer a escova de dentes e outros acessórios da higiene diária, principalmente se ficar internado. Deixe-o escolher um ou dois brinquedo.
Quinto, não esquecer do tempo de jejum. O jejum é fundamental para a anestesia decorrer de forma segura. Se o cirurgião não disse qual o tempo de jejum que quer, fique a saber que genericamente o tempo de jejum necessário após a ingestão de uma refeição por mais leve que seja, sólida ou líquida (o que inclui o leite de farmácia) são 6 horas; de leite materno são 4 horas. A criança pode beber líquidos translúcidos (água, chá com açúcar) em pequenas quantidade até 2 horas antes.
Sexto, trate atempadamente das burocracias. Informe-se atempadamente na escola e no seu emprego, que tipo de declaração, atestado, baixa e/ou certificado será necessário para o pós-operatório. No dia da cirurgia não se esqueça de o pedir ao cirurgião ou alguém da equipa, porque, no stress do acontecimento, às vezes os ‘papéis’ ficam esquecidos.
Texto adaptado de eosfilhosdosoutros.com