O tema é polémico e já sei que provavelmente vou ser “crucificada”, mas acredito ser importante falarmos sobre isto.
Como sabem estou com mães praticamente todos os dias. Não vejo a maternidade como algo cor-de-rosa, perfeito e mágico em que nos guiamos apenas pelo instinto. Sei que é a maior aventura que teremos. Os meus filhos são o meu projecto de vida. Amo-os incondicionalmente. Mas não, não acho que seja sempre fácil e bonito. Como eu há muitas mães que sentem o mesmo e assisto à sua frustração por acharem que deveriam sentir-se num mundo cor-de-rosa desde que passaram a mães.
Mas este tema é bem mais profundo e complexo. É que além de não ser algo cor-de-rosa e perfeito, a maternidade é uma escolha. E há mulheres que optam por não ser mães.
Hoje em dia ter um filho já não é uma consequência natural do casamento. Para a maioria das mulheres, o desejo de ter filhos é sentido e vivido e acolhido. Para outras, nem tanto. E actualmente há cada vez mais mulheres que decidem que a maternidade não é para elas.
Para as que decidem avançar implica – quase sempre – uma sobrecarga. Há homens absolutamente fantásticos, verdadeiros parceiros, mas temos de ser honestas e dizer que, na larga maioria dos casos, é sobre a mulher que recai esta sobrecarga: são elas que alteram a sua vida profissional, que ajustam ou desistem dos seus hobbies e que estão presentes em todos os momentos. Os pais continuam a chegar tarde a casa, muitos continuam a ir ao futebol ou a praticar desporto porque a mãe/mulher ajustou-se à nova realidade. Tudo isto é sabido. Não é novo. É assim – pese embora, como já referi, haja cada vez mais casais que são verdadeiras equipas e pais que querem estar presentes no desenvolvimento e crescimento dos seus filhos. O modelo tradicional de parentalidade é algo que tentamos alterar há já alguns anos de forma a ser vivido como uma equipa e não com o distanciamento da mãe-cuidadora e do pai-provedor. E ainda bem.
Até aqui “nada de novo”. Mas actualmente vivemos algo diferente com efeitos ainda mais perniciosos sobre a mulher. Há uma enorme tendência para a idealização da maternidade quando na realidade por vezes uma recém-mãe sente cansaço, exaustão, frustração, solidão e culpa. A ideologia perfeita (mas já antiga e que agora ressurge) da essência, do instinto, das mães mamíferas, da amamentação até ao desmame natural, do contacto “pele com pele” como algo impreterível no estabelecimento do vínculo entre mãe e bebé… esta forma que nos demonstra (ou quer demonstrar) que o Amor é pura biologia, que se não o vivermos assim então estamos a vivê-lo “mal”, acaba por prolongar ainda mais esta sobrecarga na mulher e na mãe e por manter profundamente um modelo de parentalidade tradicional que queremos e que lutamos por alterar.
Hoje vivemos na fase a que eu chamo de “natureba” – a maternidade naturalista que nos impingem avisando que se não a vivermos dessa forma teremos filhos menos apegados, com maiores dificuldades emocionais, menos inteligentes… A mãe tem de estar absolutamente disponível (no sono, na amamentação, na alimentação, na educação) porque a dupla Mãe-Bebé se quer “mágica” e “instintiva”. O bebé é sempre colocado antes da mãe, antes do pai, antes do casal. A mulher deve ceder todo o seu tempo, o seu corpo, a sua energia ao bebé por o máximo de tempo possível porque isso sim, é “ser-se mãe”. Porque na fase natureba, acredita-se que o amor é apenas biologia e isso impõe leis e comportamentos difíceis e pesados. O que afasta ainda mais o Pai da dupla Mãe-Bebé.
Obviamente que se a família está feliz vivendo a parentalidade dessa forma, então isso é maravilhoso. Mas é importante considerar que as mães que escolhem cesarianas, as mães que não amamentam ou que não dormem com os seus filhos não os amam menos, não se sacrificam menos. E que não devem sentir-se culpadas por não viverem do “modo certo” a maternidade.
Uma das grandes conquistas da nossa sociedade é sermos livres. Livres para pensar e actuar. E sim, há mulheres que se realizam plenamente sendo mães. Mas estão longe de ser a maioria. Muitas avançam desta forma porque é a “forma certa” e vão-se sentindo culpadas pelo caminho. E actualmente há cada vez mais mulheres que abrem mão de ter filhos pois associam a maternidade a fardos que não estão disponíveis para acarretar.
A maioria das pessoas que vive esta onda naturalista acredita no empoderamento da mulher e da mãe. Mas, o mais estranho é que este retorno ao “natural” que valoriza o sacrifício feminino acaba por ser um inimigo à emancipação das mulheres, à igualdade e até – ironicamente – à fertilidade.
Somos livres para viver a maternidade como sentimos que devemos. Como a sentimos verdadeiramente. Mesmo que nos imponham que ensinar a dormir é o anti-Cristo, que não amamentar é o Demónio ou que deixar os nossos filhos na creche antes dos 3 e não ter parado de trabalhar é Pecado.
Acredito que para a maioria de nós, os filhos sejam o mais importante da vida. A nossa obra. E como tal, essa obra exige Tempo, Dedicação, Esforço, Sacrífico. Mas nada disto é uma formula matemática rigorosa que tem de ser vivida picando diferentes itens – e que só tendo todos picados se torna uma Obra Perfeita.