Ao unir a placenta ao bebé, o cordão umbilical permite que este receba sangue, oxigénio e nutrientes necessários ao seu desenvolvimento. Quando o bebé nasce, o cordão é cortado e é nesta fase que o sangue e o tecido do cordão umbilical podem ser colhidos com o objetivo de guardar células estaminais. Antes do corte, ocorre a clampagem do cordão, momento em que é interrompida a passagem de sangue do cordão umbilical para o bebé. A clampagem do cordão umbilical pode ser feita imediatamente após o nascimento ou adiada alguns segundos. Nos últimos anos, vários estudos têm evidenciado a importância da clampagem tardia do cordão umbilical. Embora não exista consenso quanto ao tempo entre o nascimento e a clampagem do cordão umbilical para que esta seja considerada tardia, em regra, na comunidade médica, os profissionais consideram a clampagem tardia quando realizada mais de 30 segundos após o nascimento do bebé.
Várias organizações têm emitido parecer quanto à importância da clampagem tardia do cordão umbilical, divulgando recomendações que permitem orientar os profissionais de saúde. Segundo a Organização Mundial da Saúde[1], a clampagem do cordão umbilical não deve ser feita antes de decorridos 60 segundos após o nascimento e o American College of Obstetricians and Gynecologists[2] recomenda aguardar pelo menos entre 30 a 60 segundos após o nascimento para a realização da clampagem do cordão umbilical.
Vários estudos têm mostrado ser possível conciliar a clampagem tardia do cordão com a colheita de sangue do cordão umbilical para armazenamento de células estaminais. Um estudo publicado em 2018[3] concluiu que fazer a clampagem do cordão umbilical entre 30 a 60 segundos após o nascimento não teve impacto negativo significativo no número de células das unidades de sangue do cordão umbilical obtidas. No entanto, esperar mais de 60 segundos diminuiu significativamente o volume de sangue colhido e, consequentemente, o conteúdo celular das unidades de sangue do cordão umbilical, reduzindo a probabilidade de obtenção de unidades com utilidade clínica. Outro estudo[4], conduzido pelo banco público sueco de sangue do cordão umbilical, refere que a implementação da clampagem tardia (60 segundos) não teve um efeito significativo no número de unidades colhidas que cumpriam os critérios de aceitação para armazenamento, embora se tenha observado uma ligeira diminuição no volume de sangue do cordão umbilical colhido. Deste modo, os autores concluem ser possível conciliar a clampagem tardia com a colheita de sangue do cordão umbilical.
Assim, se a clampagem do cordão umbilical for realizada entre 30 a 60 segundos após o nascimento, é possível conciliá-la com o armazenamento de células estaminais do sangue do cordão umbilical, devendo a colheita ser iniciada logo que possível, de modo a colher um maior volume de sangue, pois um maior volume permitirá obter um maior número de células, o que, por sua vez, se correlaciona com uma maior probabilidade de sucesso num eventual tratamento por recurso a essa unidade de sangue do cordão umbilical. O sangue do cordão umbilical é uma reconhecida fonte de células estaminais com aplicações terapêuticas em mais de 90 doenças, que incluem diversos tipos de leucemias, linfomas, hemoglobinopatias, doenças metabólicas, entre outras.
Se, por algum motivo, não for possível colher o sangue do cordão umbilical, ainda assim o tecido do cordão umbilical, enriquecido em células estaminais diferentes do sangue e que podem ser usadas no tratamento de doenças diferentes, pode ser colhido, permitindo uma eventual utilização futura dessas células. Estão registados mais de 350 ensaios clínicos[5] com recurso a células estaminais obtidas do tecido do cordão umbilical para o tratamento de diversas doenças (diabetes tipo 1, esclerose múltipla, lúpus, lesões da espinal medula, artrite reumatoide, autismo, paralisia cerebral, entre outras), tendo sido já publicados, em inúmeros artigos científicos, os resultados da aplicação destas células em terapias experimentais, com perspetivas promissoras da sua aplicação na prática clínica. Assim, guardar as células estaminais do tecido do cordão umbilical permite aumentar as possibilidades de utilização de células estaminais em áreas terapêuticas diferentes e até complementares das células estaminais do sangue do cordão umbilical.
Considerando o enorme potencial terapêutico das células estaminais do cordão umbilical, o número de doenças passíveis de serem tratadas por recurso a estas células tende a aumentar, pelo que é importante que quer o sangue quer o tecido do cordão umbilical sejam colhidos no momento do parto para que seja possível guardar as células estaminais destas duas fontes.
[1] WHO. Guideline: Delayed umbilical cord clamping for improved maternal and infant health and nutrition outcomes. Geneva: World Health Organization. 2014.
[2] American College of Obstetricians and Gynecologists’ Committee on Obstetric Practice. Delayed Umbilical Cord Clamping After Birth: ACOG Committee Opinion, Number 814. Obstet Gynecol. 2020. 136(6):e100-06.
[3] Ciubotariu et al., Impact of delayed umbilical cord clamping on public cord blood donations: can we help future patients and benefit infant donors? Transfusion. 2018. 58(6):1427-33.
[4] Frändberg et al., High quality cord blood banking is feasible with delayed clamping practices. The eight-year experience and current status of the national Swedish Cord Blood Bank. Cell Tissue Bank. 2016 Sep;17(3):439-48.
[5] https://clinicaltrials.gov/