Em março de 2020 era declarada oficialmente a pandemia de COVID19, provocada pela dispersão mundial do vírus SARSCoV2. No decorrer da situação pandémica muitas foram as questões que se levantaram na comunidade médica e científica e muito tem sido o conhecimento adquirido desde então, quer em relação ao vírus e às suas características, quer em relação à estratégia global de combate à pandemia e proteção das populações, tendo sido identificados vários grupos populacionais de maior risco: os idosos, as crianças, os indivíduos imunodeprimidos e as grávidas; neste caso, não só pela saúde da futura mãe, mas também do feto durante o desenvolvimento uterino e do recém-nascido após o parto.
No decorrer da pandemia, foram desenvolvidos vários estudos com vista a determinar a possibilidade de transmissão vertical do vírus, ou seja, da passagem de partículas virais da mãe para o feto através da placenta, ou para o recém-nascido já na fase do parto ou pós-parto. A maioria dos estudos realizados desde 2020 indicam como possível, embora de muito baixa probabilidade, a ocorrência de transmissão vertical do SARSCoV2. Num estudo recente 1 é reconhecida a capacidade deste vírus atravessar a barreira placentar, acedendo aos vasos sanguíneos fetais e eventualmente provocando infeção. No entanto, tem sido reportada em várias publicações uma grande variabilidade na probabilidade de transmissão vertical: de 1,6% a 6,3% 2. A transmissão transplacentar apenas poderá ser confirmada se detetada a presença do genoma do vírus em tecidos fetais, como o sangue do cordão umbilical. Sendo o sangue do cordão umbilical uma fonte rica em células estaminais hematopoiéticas, a sua colheita no momento do parto é uma prática comum em vários países, incluindo Portugal. Assim, na sequência da situação pandémica, uma das preocupações dos profissionais de saúde e dos bancos de tecidos e células prendeu-se com a possibilidade de existência de partículas virais de SARS-CoV-2 no sangue do cordão umbilical colhido para futura utilização clínica. Têm sido realizados vários estudos no sentido de detetar a possível presença do vírus no sangue do cordão umbilical, não obstante tratar-se de um vírus respiratório e, como tal, ser pouco provável a sua permanência na corrente sanguínea. Em 2020 foi publicado artigo científico 3 que incluiu os resultados de vários estudos realizados na China, abrangendo um total de 38 grávidas com história clínica de infeção por COVID19, cujos tecidos fetais, incluindo sangue do cordão umbilical, foram analisados por RTPCR quanto à presença do vírus SARSCoV2, não tendo sido detetada a presença deste agente infecioso em nenhum dos tecidos analisados. Em 2021, foi publicada uma metanálise 4 mais alargada que revelou a deteção do vírus em cerca de 3% das amostras de sangue do cordão umbilical testadas, demonstrando que a presença do vírus nestas amostras é possível, embora de baixa probabilidade.
Apesar da baixa probabilidade de presença do vírus no sangue do cordão umbilical colhido à nascença, os bancos de tecidos e células adaptaram os seus procedimentos de análise de risco, para que fosse incluída na análise da história clínica familiar a possibilidade de infeção por COVID19 na grávida. Esta investigação é feita habitualmente através de questionários que deverão ocorrer antes do parto, na altura do parto e, se necessário, após o parto em que ocorreu a colheita de sangue do cordão umbilical. No laboratório de tecidos e células da Crioestaminal, as amostras de sangue do cordão umbilical recebidas para criopreservação com vista à futura utilização clínica, são sujeitas a investigação da história clínica familiar que, com a pandemia, passou a incluir a avaliação do risco de transmissão de SARSCoV2 para as amostras criopreservadas.
Paralelamente, procedeu-se à análise do sangue do cordão umbilical, por técnicas de RT-PCR devidamente validadas para o tipo de amostra em análise, para pesquisa do agente causador de COVID-19. Entre abril de 2020 e fevereiro de 2023, foram analisadas 779 amostras de sangue do cordão umbilical de grávidas que indicaram, nos questionários clínicos realizados, um diagnóstico de COVID19 seis semanas antes ou após o parto. Em todos os testes efetuados foram obtidos resultados negativos, ou seja, não foi detetada, pelo método utilizado, a presença de SARSCoV2 no sangue do cordão umbilical de recém-nascidos cujas mães tiveram um diagnóstico de infeção por COVID19. Os resultados obtidos no laboratório da Crioestaminal reforçam o baixo risco de transmissão de SARSCoV2 a partir de uma amostra de sangue do cordão umbilical numa futura utilização clínica, mesmo em amostras cuja colheita foi realizada em pleno contexto pandémico.